Ser Criança Como Tu


Feito para o meu filho.
Dedicado a ele e a todas as crianças que nos ensinam.

Não chores


Não temos a prerrogativa de saber o nosso futuro, mas apenas condicioná-lo.

Não chores

Não chores.
Não esgotes as tuas lágrimas.
Não deites mais sal à terra,
Que o futuro algo encerra.

Não chores.
Guarda um pouco dessas lágrimas,
Que ainda nos veremos um dia
E juntos, choraremos de alegria.

Não chores.
Não chores.
Não chores.

Karau_Timur, 07-04-2008.

Correr no vazio


Apenas um retrato da sociedade, ou parte da sociedade cinzenta e vazia.
Quando vier o sol, o meu desejo é que tu e eu não sejamos corações de pedra ou nuvens de poeira, mas pessoas plenas neste mundo vazio de tantas coisas.


Correr no vazio

Sopra uma brisa e faz frio.
As folhas de outono se desprendem.
Passam nuvens carregadas
De pessoas cinzentas e despidas.
Ficam caras carregadas e tristes.

Os pássaros não têm abrigo.
Asas molhadas, ninhos desfeitos.
Rasgos de sol não aquecem
Pessoas frias e encharcadas.
Ninguém consegue voar.

Pelas ruas não se vêem caras.
No chão procuram as lágrimas
Por entre gotas de chuva.
Andam já curvados à terra,
Quais maciços de pó.

Entram em caixotes de betão,
Procurando pão e abrigo.
Encontram papeis cinzas,
Arquivos e pastas em branco.
Bolsos vazios, vidas vazias.

A cidade não para e não perdoa.
Foge-se-lhes o tempo e o alento,
Aí perdem sonhos e ninhos.
Olhar para cima é perder o chão,
É não saber por onde andar.

Quando vier a luz do sol
Alguns serão nuvens de poeira,
Corações petrificados ou fósseis.
Na luz e à luz de todos os esmorecidos
Haverá sempre alguém a correr no vazio.


Karau_Timur, Almeria, 30-03-2006

Verdes Flores


Sobre a essência dos sentimentos e suas manifestações.
Dedicado aos meus amigos do Laudare Ensemble.
Cada um, à sua maneira, expressa os seus sentimentos.
Um dia voltaremos a cantar juntos.
Bjs e abraços para Ana, Christine, Nathalie, Rita, Catarina, Joana, Vanessa, Sara, Marlene, Pablo, Tiago F., Marcos, Paulo, Ezequiel, Taigo R. e Joaldi.


VERDES FLORES

Nos campos secos e quentes,

Não há verde nem outras cores.

Não há folhas e não há flores.

Não há rebentos, nem sementes.



Mas se algum dia fores

Ao jardim dos sentimentos

Verás corações sedentos

Também de verdes amores.



No jardim das nossas vidas

Acharás todas as cores,

Mas custosamente flores

Só de verde coloridas.



Mas se algum dia fores

Ver esse jardim florido,

É o verde que dá sentido

Às flores doutras cores.



Karau_Timur, 04, Abril de 2008.

Descida ao Sul


Este Jonas cabo-verdiano representa uma grande parte da comunidade cabo-verdiana que foi trabalhar para as roças de S. Tomé e Príncipe e não voltou.

Por diversas razões (seca, fome, algum outro castigo?) foram obrigados a deixar a sua terra natal e por lá ficaram.

Segundo o contrato, que a maioria tinha, era suposto serem trazidos de volta após findar o mesmo, mas assim não aconteceu com essa grande maioria.

A actual situação em que vivem os meus conterrâneos não é a mais digna. São marginalizados pela própria população local. São o elo mais fraco da heterogénea sociedade são-tomense. São ainda vistos como "gente de roça", trabalhadores do mato, contratados. São os mais desprotegidos daquele desprotegido país.

Mas são também desprotegidos pelo seu próprio país - Cabo Verde.

Há poucos anos, numa reunião entre o então presidente das comunidades cabo-verdianas e os tais contratados cabo-verdianos de S. Tomé e seus descendentes, pude ver que Cabo Verde não está preparado para os receber e parece não os querer receber!

Foi-lhes sugerido, por um dos elementos da comitiva, que adquirissem a nacionalidade são-tomense! Isto caiu mal aos meus irmãos cabo-verdianos. Caiu mesmo mal.

Depois de verem que as suas "reivindicações" caíam em saco roto, que as respostas que aguardavam há tanto tempo não lhes mudava a situação, esta coisa de adquirirem nacionalidade são-tomense foi encarada quase como um insulto.

Alguns diziam ali que nasceram e morrerão cabo-verdianos!

Cabo-verdianos, morrerão. São-tomenses, morrerão. Portugueses, morrerão.

Mas mais importante do que saber com que nacionalidade morrerão, seja talvez saber se continuarão a morrer de forma menos digna ou se alguém passa a olhar para eles de outra forma.

Se São Tomé e Príncipe, se Cabo Verde não têm condições ou vontade, era bom saber onde está Portugal nesta história e o que diz...

Sim, eles foram para essas roças contratados por Portugal e o bilhete de volta deve ter caducado quando o tempo de Portugal parou a 25 de Abril de 1974 ou perto disso.

Até quando esta situação? Quantos Jonas ainda estão nos porões à espera de serem atirados ao mar? Quantos Jonas se encontram ainda presos em barrigas de baleia? Quantos Jonas mais vão descer à terra sem voltar a Cabo Verde?

Libertem aqueles que querem sair, deixem-nos morrer com alguma dignidade nos seus ninhos!


Descida ao Sul

Jonas desce da cama,
Prepara-se para a lida.
Repensa a dura vida,
E na seca que o trama.

Jonas sai de casa,
Desce a longa rua.
Leva a barriga crua
Para assar na brasa.

Jonas falta ao serviço
E desce para o barco.
Ultrapassa o marco
Para quebrar o enguiço.

Jonas desce ao porão
Levando algum alento
De trazer sustento
Para Santo Antão.

Jonas, distante do lar,
Não sabe a hora
Em que lhe atiram fora
Para descer ao mar.

Jonas desce à barriga
De uma baleia
E naquela boleia
De tudo se intriga.

Jonas é vomitado
Em São Tomé.
Ali desceu de pé
Seu corpo cansado.

Jonas não é de guerra
E é motivo de troça.
Nunca deixou a roça
E lá desceu à terra.

Jonas fez caminho
E desceu ao sul.
Percorreu o azul,
Não subiu pr'o ninho.

Karau_Timur, 12 Fevereiro, 2008.


Verdade pervertida



Esta também é simples e por si só descritiva, como enuncia o seu título.



Verdade pervertida


Quando te apresentas dura,

Ainda que se abata a alma

Haverá sempre alguma cura.


Quando te apresentas cruel,

A afeição dos meus amigos

É para mim mais do broquel.


Quando te apresentas fria,

Tenho calor do astro-rei

Que traz à vida um novo dia.


Quando te apresentas capeada,

Desmascarada com o engano,

Não és verdade, não és nada.


Karau_Timur, Almeria, Abril de 2006

Algum tempo


Se o tempo é anterior à minha pessoa e a toda a gente, porque dizemos que o tempo passa?
Não seremos nós a passar no tempo? Na linha do tempo quase tudo passa...



Algum tempo

Passam dias,
Épocas, séculos.
Passam momentos,
Primaveras, ventos.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam máquinas,
Pássaros, sombras.
Passam pessoas,
Potestades, coroas.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam passos,
Noites, perigos.
Passam profissões,
Vidas, pulsações.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam palavras,
Notícias, papeis.
Passam filosofias,
Práticas, profecias.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Só não passa o sopro,
A matéria e o espaço.
Não passa a perpetuidade,
Nem a própria divindade.


tic-tac
tic-tac
tic-tac

Karau_Timur, Maio de 2008.

Uma espécie de experiência antropológica


Fazendo uma breve pausa nos poemas, partilho a grata oportunidade de viver uma "experiência antropológica" conduzindo o meu já velhinho e rodado Rover 400 com mais 7 pessoas, algures num pueblo da Comunidade Valenciana (Espanha).

Qual microlete timorense, qual táxi de S. Tomé, qual quê!

Sim, é possível ter uma experiência antropológica aqui no nosso mundo ocidental!

Depois daquele torneio, ficamos sem um dos carros que nos acompanhou do CAS até aos arredores de Sagunto e à volta éramos 15 para 10 lugares, em dois carros...

8 no Rover e 7 no mais moderno Citroën conduzido pelo nosso maestro de canto (não de campo loll).

Sempre deu para partilhar, quiçá, algo mais do que o suor que trouxemos daquele pavilhão e algum jargão controlado da nossa pequena, mas incansável claque! Enfim, acho que deu para estreitar um pouco mais os nossos laços.

Obrigado à Ana, Christy, Nathas, Tiago, também ao rapaz de Sintra, e claro, à Sara e Marlene - as mais sacrificadas!


Mas sinceramente, em condições como estas, ainda arrisco dizer que há sempre lugar para mais um. Para mais é que não... :)

Proxémia


A proxémia também se revela no modo íntimo. Este poema é apenas uma das vertentes dessa organização social do espaço.


Proxémia


Descobrimo-nos,
Mas não nos falamos.
Vemo-nos mais vezes,
Contudo, sem nos conhecermos.

Com o tempo saudámo-nos
E fica-se um pouco mais perto.
Ainda não se vislumbra uma respiração,
Nem o cheiro, apenas uma imagem.

À distância de setenta centímetros,
Baixo o tom de voz
Numa vontade louca
De murmurar ao teu ouvido.

A tua figura torna-se mais palpável,
Tenho o melhor plano dos teus olhos.
A distância é cada vez menor
E nós estamos mais próximos.

A dez centímetros, falamos,
Murmuramos e partilhamos emoções;
A imagem desanuvia-se,
Trocamos beijos e conhecemo-nos.


Karau_Timur, S.Tomé, 2002.

Amor maior


O AMOR é mais do que sentimento, é uma pessoa! Ora, o que está subjacente a tudo isto é uma provocação à fundamentação conceptual de AMOR. Procurei então jogar com conceito e preconceito (pré-conceito!) de AMOR.

Na 1ª estrofe pretende-se dar uma imagem do que é o amor segundo o que se diz por aí, segundo o nosso conceito humano. Sendo assim, seria um sentimento que estimula o nosso coração a algo... Seria uma vontade, um alento, a maior de todas as afeições.

A 2ª estrofe, como que põe em causa isso através dessas questões e faz também a ponte para a alternativa que vem a seguir. O AMOR só se fica por essa definição? Não é mais do que isso? Não é MAIOR do que isso?

É já na 3ª estrofe que se dá a resposta ao que se quer: o AMOR é uma pessoa, é um ser, é Deus! Este é que é o verdadeiro conceito e conceito primeiro. É, portanto, mais do que um sentimento, mais do que um alento, mais do que palavras, mais do que um gesto... Os nossos conceitos (humanos) de amor seriam então preconceitos, pré-conceitos, ou seja, são anteriores ao conceito, nem chegam a ser conceitos! Não se pretende anular a nossa condição humana dentro desta perspectiva, mas apenas lembrar que há um AMOR MAIOR!



Amor Maior

O mais lindo gesto
Que impele o coração.
De toda a afeição
É mais que tudo o resto.

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior

Mas o que é o amor?
Apenas um alento?
Só um sentimento?
Ou algo 'inda maior?

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior

Esse amor vem dos céus.
Amor verdadeiro.
Sim, amor primeiro.
Esse amor só é Deus.

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior