E como já cheira a Natal...


Feito para o Ensemble 2007, IASD Cascais, Lisboa e Santarém.

Sentido do Natal
Natal de alto e custoso porte,
Que me livrou de estar cativo
Ao comprar a minha morte.

Natal que ganhou outro motivo,
Quando na cruz venceu o mal
Aquele que ressurgiu e está vivo!

Ao vê-lO já na pátria celestial
Compreenderei a minha salvação,
Compreenderei o sentido do Natal.

Karau_Timur, Natal de 2007


Diz-se por aí que se queremos controlar o nosso pior inimigo, devemos controlar a nossa língua...


O teu pior inimigo

Enquanto o teu mundo gira,
Chegas a encher o teu umbigo
Com o amargo vinho da tua ira.

Precisas encontrar esse inimigo.
Rotulá-lo, talvez isso te agrade,
Mas não vês que ele vive contigo.

Cega, não frequentas a verdade.
Ele está em ti e não na rua!
É ele quem profere falsidade.

Mísera, carregas a culpa que é tua
E continuas encoberta nos enredos.
São eles que te deixam ficar nua!

Tonta, tropeças nos teus medos,
Pontapeias a tua consciência,
Para calar e abrigar esses segredos.

Mais valor adquire a prudência
Quando controlamos a língua,
O pior inimigo da nossa existência.


Karau_Timur, 2004.

Descansa em pazzzzzzzzzzzzzzz


Na noite solitária e fria
Alguém chora baixinho.
Perde energia e alegria.
No seu vazio aposento,
Chora sempre sozinho
E já quase sem alento.

Alguém lhe tirou vida,
Da sua frágil essência.
A triste alma escurece,
O coração aperta-lhe
E o corpo já padece.

É à noite que chora
E os seus cabelos
Branqueiam com o luar.
Perde energia, perde alegria
Quando o crepúsculo
Cobre a luz do dia.

Secaram as lágrimas,
Secou a alma e o corpo.
Já não chora à noite.
Agora, encontrou outra paz,
Outro descanso e vida
E à noite não mais jaz.

Karau_Timur, 2005.

Minha Fonte




Um percurso pela montanha até lá chegar.
Encontrar a fonte de paz e saciar-me.



Minha Fonte

Subindo o alto monte
Descobri a tua existência,
Encontrei a minha fonte.

Agora em ti minh’alma,
Respira e transpira calma.

Ali se congregam povos
Sedentos da tua palavra.
Corações velhos e novos.

Não a outros amos!
Só em ti confiamos!

Dá-me também de beber
Dessa samaritana fonte
A tua paz e o teu querer.

Minha essência vou ceder,
Ao autor de todo o ser.

Karau_Timur, 2007

Atlântico


Feito para abertura e fecho do programa cultural, de férias, "Oceano Atlântico"
numa rádio local de Boston, USA.



Atlântico

É com as ondas,
É com as vagas
Que sondas e tragas
O que me vai no coração.

É com a correnteza,
É com as brisas
Que com destreza alisas
O que escreve a minha mão.

É no sal,
É nas águas
Que o vendaval de mágoas
Mostra a tua imensa solidão.

É nos areais
É nos rochedos
Que o cais dos segredos
Ampara a tua undosa agitação.

Mas é na calmaria,
É no cântico
Que a maresia do Atlântico
Se torna nosso chão.

Karau_Timur, Boston, Junho de 2008

Luz da noite


Fala do lado nocturno, daqueles que se alimentam dos outros, ou que brilham com a luz dos outros.
Mas é à noite que o fazem, julgando ter maior protecção e, portanto, é à noite que carregam essa cruz.



Luz da noite
Luz da noite!
O que escondes,
Diz-me por onde trilhas?
Luz da noite
Vive só, mas refém
E não tem quem o acoite.

Luz da noite, lua.
Lua nossa,
Minha e tua.

Luz da noite!
Que revelas,
Diz-me para quem brilhas?
Luz da noite
É fraca e triste
E não existe quem o afoite.

Luz da noite, lua.
Lua nossa,
Minha e tua.

Luz da noite!
O que conténs,
De que te maravilhas?
Luz da noite
Não produz luz,
E carrega sua cruz à noite.

Luz da noite, lua.
Lua nossa,
Minha e tua.

Karau_Timur, Almeria, 02-04-2006

Mariposa




Uma história vivida no tempo, diria, de amor!



Mariposa

Eu tive um nebuloso sonho
Que até então não mais esqueci.
Caminhava alegre e tu pousada
no meu ombro quando te perdi.

Levava comigo uma carta fechada,
Uma flauta e pétalas de rosa.
Mas quando veio o vento
Levou tudo, levou a minha mariposa.

Já não te posso ler
O que me vai no coração
Porque veio o vento
E tirou-me a carta da mão.

Já não sigo o cântico dos pássaros
Nem acompanho a minha pauta,
Porque veio o vento
E saqueou-me dos punhos a flauta.

Já não posso cheirar as pétalas
Que tinha entre os dedos
Porque veio o vento
E levou-as com os meus segredos.

Quando veio aquele vento,
Ainda te encontravas em mim.
E quando, apressadamente, partiu,
Deixei de saber o teu fim.

Enquanto tiver este coração,
Que o amor não mais se apague.
Se estes tristes olhos jamais te verem,
Talvez o tempo a dor esmague.

Ouve! No silêncio, grito baixinho
Que ainda te quero.
Aos ventos, grito bem alto
Que te amo e ainda te espero.


Karau_Timur, Almeria, 28 Março, 2006

Deitado em teus braços


Uma história que, embora parecendo,
nunca chegou a ser estória.



Deitado em teus braços
Brilhavam tão reluzentes
Naquele dia os teus sois
Que, cegando os meus,
Não via o destino dos dois.

Já abrigado na tua sombra,
Via-me num verde monte
Por entre muitas árvores
Que me cobriam a fronte.

Fitei o teu fino tronco,
Bailando ao som do vento.
Volúvel, ele se adaptava
A todo o meu movimento.

Os teus ramos eram longos
E a tua folhagem densa.
Davas-me guarida e sombra
Que às outras mais intensa.

Traída outra vez a vontade,
E naqueles ramos envolvido
Fecharam-se de novo os sois
Para neles ficar adormecido.

Toda a tarde naquele verde.
Toda a tarde de ti cativo
Num madeiro de carne e osso,
Naquele tronco fino e vivo.

Acordei e quis libertar-me.
Mas preso nos teus ramos
Se me apertou o coração
E naquele abraço ali ficamos.

Era noite e ainda lá estava.
Sentia-me quase a sufocar.
A tua folhagem me cegava
E nada via mais que o luar.

Depois de me deixar vencer
E tirares a minha semente,
Parti errante no escuro,
Qual fraco e perdido ente.

O arrependimento de ali estar
Limpou a minha consciência.
Contudo, não foi suficiente
Para limpar a consequência.

Hoje, ao longe, vejo o verde.
Aquele verde e fresco manto
Onde estava a frondosa árvore
Que me causou grande espanto.

Brotou então a minha semente.
Corre agora a minha seiva nela.
Cresce no meio daquele verde,
Cresce verde, cresce junto dela.

Na linha do tempo me achei
Perdido nos teus longos laços.
Perdi-me para me encontrar
Assim deitado em teus braços.

Karau_Timur, 2007

Sexto Sentido



Apenas acontece com algumas mulheres, poucas, creio.
1, 2, 3, 4, 5 e... 6.



Sexto Sentido

Quando te vi pela primeira vez
Soou-me uma melodia branda.
Meus olhos fitaram tua beleza,
Mas não o coração e a perdição.

Ouvir tua voz despertou cegamente
Em mim a tua imagem de mulher.
Mais tarde os ruídos eram outros,
Gemidos de amor, gritos de dor.

O vento trazia vestido o teu perfume,
Para saciar a minha sede de te ter.
Tal como apareceu esse doce aroma,
Assim findou a dança da confiança.

Ao tocar a tua pele macia,
Uma fragrância a flor silvestre.
Em pouco tempo nos pressentimos
E vivemos algo de mágico e trágico.

Da tua boca brotavam favos
De mel que saboreei ao beijar-te.
E em meu sangue carregava já
Esse veneno, açúcar moreno.

Não foram olhos, ouvidos ou aroma,
Nem mãos ou lábios que me tiraram vida.
Foram apenas instrumentos de algo teu
Conhecido e definido como sexto sentido.

Karau_Timur, Almeria, 28-02-2006

O Deus Presente


Mesmo tendo aquelas nuvens como barreira, Ele não deixar de existir, brilhar.



O Deus Presente

O céu se fecha e escurece

Quando chega o temporal.
Finda-se o dia e anoitece

E a luz perde o seu sinal.

Mas o astro-mor
Nunca deixa de brilhar.
Mesmo havendo negror,
Sua luz vai perdurar.

Se a dúvida te assalta
E bradas aos céus:
Algo me falta,
Onde está Deus?

Assim como o sol radiante,
Ele está sempre aqui.
Sua presença é constante,
Ele só espera por ti.

Karau_Timur, 2007

Coração Alado


Outras criações têm o mesmo título, mas não o devo mudar outra vez (antes era Voar), pois é o meu coração que voa.
Sozinho ou acompanhado, ele voa...

Coração Alado

A vida é como os pássaros quando solto o coração.
Perde-se ao longe no horizonte de uma tarde.
Também quero me perder e voar para bem longe
Na esperança de te ter noutro lugar que não aqui.


Gostava também de te ver voar nesse dia,
Ver os teus pés no ar e coração na terra.
Gostava de ver teus lábios preenchidos,
Teu sorriso contido, mas de alegria farta.

Sentar a teu lado e tua presença consentida
Num prolongado jogo de forças, dissimulado.
Momentos de arrebatamento, de leveza.
Um abraço forte, um beijo conseguido!

Contudo, habitamos ainda na terra
E nesta vida não conseguimos voar juntos.
A teu lado subi apenas um monte, por onde
Passavam pássaros ao sabor do vento.

Mais uma vez solto o meu coração alado
E ele agora abre as asas e voa para longe.
Breves, mas intensos e eternos instantes.
Tão longe e ao mesmo tempo tão perto...

Karau_Timur, 23-04-2008

Enclausurado em Ti







Esperar, esperar, esperar...
Considerando o Amor (refiro-me ao humano) como um processo e não um estado, reconheço que pode ser trabalhado para melhor ou pior e ser também conservado.
Já sob um escopo que extravaza essa sua intrínseca dinámica como processo, registo, no entanto, que quando falamos de Amor como um todo, parece-me que ele não é sincrónico em relação à evolução dos acontecimentos ao longo tempo, não é dinámico nessa perspectiva.
Estamos na era em que tudo é imediato, do crédito imediato, do carro com chave na mão, da pronta resposta que exigimos que o PC dê em menos de 2 segundos, etc.
Felizmente que o Amor foge às tendências temporais, constituindo-se assim como um dos poucos instrumentos ao nosso alcance para "domesticar" a espera, neste mundo do imediato.
Esperar, esperar, esperar... até chegar esse dia!










Enclausurado em ti

A porta está fechada.
À janela espero ver-te passar,
À janela espero-te.

De madrugada entra o frio
Pela janela
E tu somente passas.

De dia entra o sol
Pela janela,
Mas tu não o fazes.

À tarde entra a brisa
Pela janela
E tu ficas de fora.

À noite entra a lua
Pela janela
E tu não apareces.

Entram pela janela.
Contudo, a porta
Será a tua entrada.

Vejo-te passar e espero
Enclausurado em ti,
Por ti e para ti.

Karau_Timur, 2004





Descer para Elevar


Uma simples oração.
Que cada um reconheça Cristo como exemplo máximo de humildade e serviço ao próximo.



DESCER PARA ELEVAR

(Se Cristo teve que descer a esta terra para me elevar,
então prostrado, que se eleve a Ti esta minha oração
e que eu desça ainda mais até onde Cristo andou.)


I
Cristo veio, desceu.
Entre nós ele viveu,
Longe do Pai.

Desceu as ruas
Dos necessitados
Abatidos, fracos
E abandonados
Que vivem na solidão.
Cristo veio ensinar
O caminho da Salvação:
Descer para elevar.

II
Tantas vezes vivo
Lá no alto, mas cativo,
Longe de Deus.

Tenho que descer,
Deixar o meu mundo.
Ser humilde e manso,
Ir até ao fundo
E estender a minha mão.
Cristo veio ensinar
O caminho da salvação:
Descer para elevar.

Karau_Timur, Março 2008.

Sic transit gloria mundi




O lado efémero da escrita e não só.


Sic transit gloria mundi

Vazio no papel,
Tinta e letras.
Jogo de palavras,
Verdades e tretas.

Homens de barro e ferro,
Simples, ilustres e eloquentes.
Gente de todos os cantos,
Versados, alucinados e doentes.

Todos procuram em ti
Escrever a cor da alma,
Pintar na tempestade
Um pedaço de calma.

Discorrer sobre filosofias,
Acreditar na existência.
Explicar o metafísico,
Aceitar a essência.

Alguns, se encontram
Nesse infindo mundo.
Outros, nele se perdem
E batem lá no fundo.

Aplausos, louvor e fama.
Palcos, honra e glória.
Coroas de flores, extinção,
Nomes esculpidos na história.

Letras vazias em papel vazio.
Não há eclipsados e mediáticos.
Só restam letras, e os corpos
Dormem sobre lençóis freáticos.

Karau_Timur, Almeria, 2006




Comer por dentro


Ainda estou de pé!





Comer por dentro

Fricativamente sorves o meu sangue,
Tal é a sede que tens de mim.
Precisas manter-te viva.

Tuas palavras devoram-me
Como se uma fera estivesse a alimentar-se
Só do meu interior.

Farisaicamente, esventras-me
Já de barriga cheia.
Sugas-me mais sangue.

Meu corpo mantem-se de pé
Mas a alma esvai-se
Por entre rios de sal.

Se humano, erro.
Se consciente, retracto-me.
Contudo, não faço dos afectuosos
Caixa dos meus medos e descuidos.
Revejo-me no meu íntimo.

No meu passado escondes
A tua amarga inquietude
Na impossibilidade de me ter.
Enches-te das minhas entranhas
E soltas essa perigosa língua de fogo.

As palavras com que me dilaceras
Não conseguem expurgar
O medo que corre nas tuas veias.
Sentes-te já em nítida perda, lutando
Erradamente contra os teus sentimentos.

Mas de ti saem apenas palavras
Que abatem sentimentos
E momentos, mas não me matam.
Esqueço-as por serem palavras.
Esquece-me também.

Karau_Timur, 2004.

Amiga no Silêncio

A escrita como amiga e confidente. Ela recebe-nos de braços abertos...










Amiga no Silêncio



Na falta do sonido
Sinto o teu fervilhar
Em querer dar cor,
Forma e essência ao vazio.

Amiga, desprende-te e escorre
No branco do papel.
Reveste esses laivos do nada
Em doces matizes de letras.

Quando o desalento se mostra,
Todo o afecto se esvai,
Mas tua presença é certa
E não se esgota no papel.

Recolhe estas cinzas.
Eleva-as e dá-lhes forma,
Pois muitos são aqueles
Que carecem da tua seiva.

Karau_Timur, 24-08-2005

Longe



Relembrando a ida até Timor...





Longe


Cruzei a linha do Equador,

Naveguei até aos antípodas,

Contemplei o cruzeiro do sul.

Parti sem saber o destino,

Parti para me encontrar.


Tão longe!


Na noite observo a mesma lua.

Partilhamos o espaço sideral.

Outros ventos, outros mares,

Mas bafejados pelo mesmo sol.

Contudo, alheio ao teu mundo.


Tão longe!


Quanto mais aumenta o mar,

Mais aumenta a saudade.

O tempo transcorre e eu, longe.

Fora de casa, fora-da-lei

Pelo tempo que nos separa.


Tão longe!


Meu coração ressente a distância.

Meus olhos perdem-se no horizonte,

Enquanto os ventos trazem folhas

Secas, perdidas e gastas no tempo.

Perde-se mais um dia perto de ti.


Tão longe!


Sem ter os teus rubros lábios.

Ausente dos velhos amigos.

Distante do calor do lar.

Afastado do teu pequeno mundo.

Longe da terra, longe de tudo.


Tão longe!


Karau_Timur, 2004.

Amante

Partindo do principio que "amante" é aquele que ama...

















Amante


Amo a energia
Quando começo o dia.

Amo a montanha
Quando o sol por ela entranha.

Amo o mar
E nele mergulhar.

Amo o azul
Ainda mais ao sul.

Amo as canções
Que tu tão bem compões.

Amo o amigo
Que mantém a ligação de umbigo.

Amo os velhos
E escutar os seus conselhos.

Amo as crianças
Que nos trazem belas lembranças.

Amo o brilho
Do olhar do meu filho.

Amo os meus pais
E tê-los mais e mais.

Amo a sinceridade
Como expoente de verdade.

Amo a Deus
Que não se esquece dos seus.

Amo a vida,
Amo-te.


Karau_Timur, 2006.

Ser Criança Como Tu


Feito para o meu filho.
Dedicado a ele e a todas as crianças que nos ensinam.

Não chores


Não temos a prerrogativa de saber o nosso futuro, mas apenas condicioná-lo.

Não chores

Não chores.
Não esgotes as tuas lágrimas.
Não deites mais sal à terra,
Que o futuro algo encerra.

Não chores.
Guarda um pouco dessas lágrimas,
Que ainda nos veremos um dia
E juntos, choraremos de alegria.

Não chores.
Não chores.
Não chores.

Karau_Timur, 07-04-2008.

Correr no vazio


Apenas um retrato da sociedade, ou parte da sociedade cinzenta e vazia.
Quando vier o sol, o meu desejo é que tu e eu não sejamos corações de pedra ou nuvens de poeira, mas pessoas plenas neste mundo vazio de tantas coisas.


Correr no vazio

Sopra uma brisa e faz frio.
As folhas de outono se desprendem.
Passam nuvens carregadas
De pessoas cinzentas e despidas.
Ficam caras carregadas e tristes.

Os pássaros não têm abrigo.
Asas molhadas, ninhos desfeitos.
Rasgos de sol não aquecem
Pessoas frias e encharcadas.
Ninguém consegue voar.

Pelas ruas não se vêem caras.
No chão procuram as lágrimas
Por entre gotas de chuva.
Andam já curvados à terra,
Quais maciços de pó.

Entram em caixotes de betão,
Procurando pão e abrigo.
Encontram papeis cinzas,
Arquivos e pastas em branco.
Bolsos vazios, vidas vazias.

A cidade não para e não perdoa.
Foge-se-lhes o tempo e o alento,
Aí perdem sonhos e ninhos.
Olhar para cima é perder o chão,
É não saber por onde andar.

Quando vier a luz do sol
Alguns serão nuvens de poeira,
Corações petrificados ou fósseis.
Na luz e à luz de todos os esmorecidos
Haverá sempre alguém a correr no vazio.


Karau_Timur, Almeria, 30-03-2006

Verdes Flores


Sobre a essência dos sentimentos e suas manifestações.
Dedicado aos meus amigos do Laudare Ensemble.
Cada um, à sua maneira, expressa os seus sentimentos.
Um dia voltaremos a cantar juntos.
Bjs e abraços para Ana, Christine, Nathalie, Rita, Catarina, Joana, Vanessa, Sara, Marlene, Pablo, Tiago F., Marcos, Paulo, Ezequiel, Taigo R. e Joaldi.


VERDES FLORES

Nos campos secos e quentes,

Não há verde nem outras cores.

Não há folhas e não há flores.

Não há rebentos, nem sementes.



Mas se algum dia fores

Ao jardim dos sentimentos

Verás corações sedentos

Também de verdes amores.



No jardim das nossas vidas

Acharás todas as cores,

Mas custosamente flores

Só de verde coloridas.



Mas se algum dia fores

Ver esse jardim florido,

É o verde que dá sentido

Às flores doutras cores.



Karau_Timur, 04, Abril de 2008.

Descida ao Sul


Este Jonas cabo-verdiano representa uma grande parte da comunidade cabo-verdiana que foi trabalhar para as roças de S. Tomé e Príncipe e não voltou.

Por diversas razões (seca, fome, algum outro castigo?) foram obrigados a deixar a sua terra natal e por lá ficaram.

Segundo o contrato, que a maioria tinha, era suposto serem trazidos de volta após findar o mesmo, mas assim não aconteceu com essa grande maioria.

A actual situação em que vivem os meus conterrâneos não é a mais digna. São marginalizados pela própria população local. São o elo mais fraco da heterogénea sociedade são-tomense. São ainda vistos como "gente de roça", trabalhadores do mato, contratados. São os mais desprotegidos daquele desprotegido país.

Mas são também desprotegidos pelo seu próprio país - Cabo Verde.

Há poucos anos, numa reunião entre o então presidente das comunidades cabo-verdianas e os tais contratados cabo-verdianos de S. Tomé e seus descendentes, pude ver que Cabo Verde não está preparado para os receber e parece não os querer receber!

Foi-lhes sugerido, por um dos elementos da comitiva, que adquirissem a nacionalidade são-tomense! Isto caiu mal aos meus irmãos cabo-verdianos. Caiu mesmo mal.

Depois de verem que as suas "reivindicações" caíam em saco roto, que as respostas que aguardavam há tanto tempo não lhes mudava a situação, esta coisa de adquirirem nacionalidade são-tomense foi encarada quase como um insulto.

Alguns diziam ali que nasceram e morrerão cabo-verdianos!

Cabo-verdianos, morrerão. São-tomenses, morrerão. Portugueses, morrerão.

Mas mais importante do que saber com que nacionalidade morrerão, seja talvez saber se continuarão a morrer de forma menos digna ou se alguém passa a olhar para eles de outra forma.

Se São Tomé e Príncipe, se Cabo Verde não têm condições ou vontade, era bom saber onde está Portugal nesta história e o que diz...

Sim, eles foram para essas roças contratados por Portugal e o bilhete de volta deve ter caducado quando o tempo de Portugal parou a 25 de Abril de 1974 ou perto disso.

Até quando esta situação? Quantos Jonas ainda estão nos porões à espera de serem atirados ao mar? Quantos Jonas se encontram ainda presos em barrigas de baleia? Quantos Jonas mais vão descer à terra sem voltar a Cabo Verde?

Libertem aqueles que querem sair, deixem-nos morrer com alguma dignidade nos seus ninhos!


Descida ao Sul

Jonas desce da cama,
Prepara-se para a lida.
Repensa a dura vida,
E na seca que o trama.

Jonas sai de casa,
Desce a longa rua.
Leva a barriga crua
Para assar na brasa.

Jonas falta ao serviço
E desce para o barco.
Ultrapassa o marco
Para quebrar o enguiço.

Jonas desce ao porão
Levando algum alento
De trazer sustento
Para Santo Antão.

Jonas, distante do lar,
Não sabe a hora
Em que lhe atiram fora
Para descer ao mar.

Jonas desce à barriga
De uma baleia
E naquela boleia
De tudo se intriga.

Jonas é vomitado
Em São Tomé.
Ali desceu de pé
Seu corpo cansado.

Jonas não é de guerra
E é motivo de troça.
Nunca deixou a roça
E lá desceu à terra.

Jonas fez caminho
E desceu ao sul.
Percorreu o azul,
Não subiu pr'o ninho.

Karau_Timur, 12 Fevereiro, 2008.


Verdade pervertida



Esta também é simples e por si só descritiva, como enuncia o seu título.



Verdade pervertida


Quando te apresentas dura,

Ainda que se abata a alma

Haverá sempre alguma cura.


Quando te apresentas cruel,

A afeição dos meus amigos

É para mim mais do broquel.


Quando te apresentas fria,

Tenho calor do astro-rei

Que traz à vida um novo dia.


Quando te apresentas capeada,

Desmascarada com o engano,

Não és verdade, não és nada.


Karau_Timur, Almeria, Abril de 2006

Algum tempo


Se o tempo é anterior à minha pessoa e a toda a gente, porque dizemos que o tempo passa?
Não seremos nós a passar no tempo? Na linha do tempo quase tudo passa...



Algum tempo

Passam dias,
Épocas, séculos.
Passam momentos,
Primaveras, ventos.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam máquinas,
Pássaros, sombras.
Passam pessoas,
Potestades, coroas.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam passos,
Noites, perigos.
Passam profissões,
Vidas, pulsações.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Passam palavras,
Notícias, papeis.
Passam filosofias,
Práticas, profecias.

tic-tac
tic-tac
tic-tac


Só não passa o sopro,
A matéria e o espaço.
Não passa a perpetuidade,
Nem a própria divindade.


tic-tac
tic-tac
tic-tac

Karau_Timur, Maio de 2008.

Uma espécie de experiência antropológica


Fazendo uma breve pausa nos poemas, partilho a grata oportunidade de viver uma "experiência antropológica" conduzindo o meu já velhinho e rodado Rover 400 com mais 7 pessoas, algures num pueblo da Comunidade Valenciana (Espanha).

Qual microlete timorense, qual táxi de S. Tomé, qual quê!

Sim, é possível ter uma experiência antropológica aqui no nosso mundo ocidental!

Depois daquele torneio, ficamos sem um dos carros que nos acompanhou do CAS até aos arredores de Sagunto e à volta éramos 15 para 10 lugares, em dois carros...

8 no Rover e 7 no mais moderno Citroën conduzido pelo nosso maestro de canto (não de campo loll).

Sempre deu para partilhar, quiçá, algo mais do que o suor que trouxemos daquele pavilhão e algum jargão controlado da nossa pequena, mas incansável claque! Enfim, acho que deu para estreitar um pouco mais os nossos laços.

Obrigado à Ana, Christy, Nathas, Tiago, também ao rapaz de Sintra, e claro, à Sara e Marlene - as mais sacrificadas!


Mas sinceramente, em condições como estas, ainda arrisco dizer que há sempre lugar para mais um. Para mais é que não... :)

Proxémia


A proxémia também se revela no modo íntimo. Este poema é apenas uma das vertentes dessa organização social do espaço.


Proxémia


Descobrimo-nos,
Mas não nos falamos.
Vemo-nos mais vezes,
Contudo, sem nos conhecermos.

Com o tempo saudámo-nos
E fica-se um pouco mais perto.
Ainda não se vislumbra uma respiração,
Nem o cheiro, apenas uma imagem.

À distância de setenta centímetros,
Baixo o tom de voz
Numa vontade louca
De murmurar ao teu ouvido.

A tua figura torna-se mais palpável,
Tenho o melhor plano dos teus olhos.
A distância é cada vez menor
E nós estamos mais próximos.

A dez centímetros, falamos,
Murmuramos e partilhamos emoções;
A imagem desanuvia-se,
Trocamos beijos e conhecemo-nos.


Karau_Timur, S.Tomé, 2002.

Amor maior


O AMOR é mais do que sentimento, é uma pessoa! Ora, o que está subjacente a tudo isto é uma provocação à fundamentação conceptual de AMOR. Procurei então jogar com conceito e preconceito (pré-conceito!) de AMOR.

Na 1ª estrofe pretende-se dar uma imagem do que é o amor segundo o que se diz por aí, segundo o nosso conceito humano. Sendo assim, seria um sentimento que estimula o nosso coração a algo... Seria uma vontade, um alento, a maior de todas as afeições.

A 2ª estrofe, como que põe em causa isso através dessas questões e faz também a ponte para a alternativa que vem a seguir. O AMOR só se fica por essa definição? Não é mais do que isso? Não é MAIOR do que isso?

É já na 3ª estrofe que se dá a resposta ao que se quer: o AMOR é uma pessoa, é um ser, é Deus! Este é que é o verdadeiro conceito e conceito primeiro. É, portanto, mais do que um sentimento, mais do que um alento, mais do que palavras, mais do que um gesto... Os nossos conceitos (humanos) de amor seriam então preconceitos, pré-conceitos, ou seja, são anteriores ao conceito, nem chegam a ser conceitos! Não se pretende anular a nossa condição humana dentro desta perspectiva, mas apenas lembrar que há um AMOR MAIOR!



Amor Maior

O mais lindo gesto
Que impele o coração.
De toda a afeição
É mais que tudo o resto.

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior

Mas o que é o amor?
Apenas um alento?
Só um sentimento?
Ou algo 'inda maior?

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior

Esse amor vem dos céus.
Amor verdadeiro.
Sim, amor primeiro.
Esse amor só é Deus.

Quero encontrar o amor
Viver o amor maior

(pre)fixo



Depois da apresentação, deixo-vos aqui algumas questões em jeito de versos soltos, uma das versões do (pre)fixo.



Pre)fixo

1Se nem tudo está fixo
E nem tudo é histórico,
O que será pré-histórico
Quando faltar o prefixo?
2
Se tomas tempo e paras
Para pesar o teu destino,
Não será isso predestino
Se és tu quem o preparas.
3
Se acaso um mero dador
Te requerer alguma caução,
É melhor tomar precaução.
Não vá ele ser um predador.
4
Se alguma super potência
Semear uma grande cisão,
Examina com boa precisão
Se não será prepotência.
5
Se não sabes o conceito
E as dimensões de ciência,
Extrapassa a presciência.
Instinto é já preconceito.
6
Se é Deus quem se ocupa
De pronunciar cada juízo,
Rotular-me já é prejuízo
Quando nada me preocupa.
7
Se quando parar de escrever
Ficarem só letras no texto,
Será mais do que pretexto
Para um dia tudo prescrever.



Karau_Timur, Abril de 2008

Epítome


Um pouco do meu mundo - as minhas raízes e quem sou...


Epítome

Africano das antigas gentes
açoreanas caçadoras de baleia,
de continentais, franceses,
alemães e ainda outros da judeia.

Sou do tempo dos que tinham tempo.
Da ilha dos homens Bravos,
piratas, mulatos, brancos
e tristes homens escravos.

De coração preso e cordas soltas,
Lágrimas salgadas e rosto ao céu
Trazem-me da nostálgica infância,
Aquele submergido mundo de ilhéu.

Hoje, na rotina, sou mais um cinzento
Vivendo entre lobos e cordeiros,
Qual motor uniforme a tantos outros
Algures entre os últimos e os primeiros.